Em tempos de pandemia de COVID-19 nos deparamos com relatos onde supostos policiais saem agredindo moradores de rua e uma mulher transexual. Majoritariamente a população em situação de rua encontra-se mais vulnerável ao coronavírus devido a diversas situações de vulnerabilidades e condições insalubres que cotidianamente.
O relato foi feito por Luana Vieira, mulher transexual, coordenadora estadual do Movimento Nacional de População em Situação de Rua/AL e Coordenadora das Mulheres Trans em Situação de Rua no Projeto Trans Equality, no qual denuncia que foi agredida a pauladas por supostos policiais uma situação de abuso de poder. Luana também descreve e esclarece em seu vídeo no instagram que naquele momento as pessoas em situação de rua estavam apenas consumindo bebidas e não estavam fazendo nada que pudesse ser considerado ilegal.
Quando assistimos a relatos de agressões dessa natureza, somos remetidos apenas a este pensamento: tortura, violações de direitos humanos, fatos estes que são universalmente reconhecidos como uma das mais odiosas ações, porém uma das mais frequentes no Brasil.
Segundo o relato, mesmo sem o flagrante de algo ilícito, Luana fora colocada de joelhos e agredida, por supostos policiais de gênero masculino, caracterizando violência física entre gêneros. Essas atitudes truculentas eram consideradas “normais” durante a “Operação Tarântula” e nos remetem a um questionamento: parece que a tortura contra mulheres transexuais em situação de rua nunca vai acabar, não é?
Segundo dados do “DOSSIÊ Assassinatos e Violência Contra Travestis e Transexuais Brasileiras 2019” da Associação Nacional de Travestis e Transexuais – ANTRA, no que são apresentadas informações do projeto de pesquisa internacional Trans Murder Monitoring (TMM), o Brasil é apontado como o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. No Brasil uma pessoa transgênera é morta a cada 48 horas e a expectativa de vida não passa dos 35 anos.
O estigma e a discriminação que pessoas transgêneras sofrem estão diretamente ligados a marcadores identitários e contexto social. Raça, gênero e territórios são marcadores determinantes no aumento percentual das violências. O “DOSSIÊ” aponta que 97% das vítimas de violências são pessoas do gênero feminino e 64% dos assassinatos acontecem nas ruas. A maioria das travestis e transexuais ainda tem como única fonte de subsistência a prostituição
No primeiro quadrimestre deste ano a ANTRA apresentou aumento percentual de violências e mortes em relação aos dados publicados no DOSSIÊ referentes ao ano anterior. Mesmo em meio à pandemia e ao isolamento social, os dados apresentam 49% no aumento de mortes, 22 tentativas de homicídio e 21 violações de direitos humanos. A prostituição no Brasil é uma ocupação que não dá garantias e tampouco o auxílio emergencial às trabalhadoras sexuais.
No que diz respeito à aplicação da legislação internacional em direitos humanos em relação a orientação sexual e identidade de gênero, citamos os Princípios de Yogyakarta, elaborados inicialmente já em 2006:
“Princípio 5 Direito à Segurança.
Princípio 10 Direito de Não Sofrer Tortura e Tratamento ou Castigo Cruel, Desumano e Degradante.
Princípio 12 Direito ao Trabalho.
Princípio 14 Direito à um Padrão de vida adequado.
Principio 15 Direito à Habitação Adequada.
Princípio 19 Direito a Liberdade de Opinião e Expressão
- Toda pessoa independente de sua orientação sexual ou identidade de gênero tem o direito a um padrão de vida adequado inclusive benefícios de emprego, habitação de baixo custo, apropriada e segura, incluindo abrigos e acomodações especiais. Toda pessoa independente de sua orientação sexual ou identidade de gênero tem direito a segurança pessoal e proteção do Estado contra violência ou dano corporal.
- É dever do Estado tomar todas as medidas legislativas, administrativas e outras medidas necessárias para garantir que a orientação sexual ou identidade de gênero da vítima não possa ser usada para justificar, desculpar ou acentuar essa violência. Assegurar o direito a liberdade de expressar a identidade ou autonomia pessoal, inclusive por meio da palavra, comportamento, vestimenta, características corporais ou qualquer outro meio são deveres do Estado.”
Fatos como este, ao ocorrerem justamente após o mês de celebração do Orgulho LGBTI+, reforçam a necessidade de uma apuração célere e efetiva, afim de que não caia mais uma vez no esquecimento das estatísticas. Respeitar a integralidade e pessoas LGBTI+ no Brasil é um dos maiores desafios. Uma simples mediação de conflito entre supostos policiais e uma militante transexual do MNPR/AL finda-se em um somatório de violências físicas e psicológicas.
Neste ínterim a Aliança Nacional LGBTI+ coloca-se à inteira disposição da vítima, para prestar todo o suporte necessário afim de que supere este momento tão tenebroso.
Faz-se necessário também reiterar a extrema necessidade da apuração dos fatos afim de que os mesmos sejam punidos com todo o rigor previsto nas leis da república, fazendo valer a decisão da mais alta corte de Justiça do país, o Supremo Tribunal Federal, que equiparou crimes de LGBTIfobia aos crimes de racismo, crimes estes inafiançáveis e imprescritíveis.
Onde ameaçarem nossa existência seremos sempre resistência.
9 de julho de 2020
Toni Reis
Diretor-Presidente da Aliança Nacional LGBTI+
Pr. Gregory Rodrigues Roque de Souza
Coordenador Estadual da Aliança Nacional LGBTI+ em MG
Coordenador Nacional de Notas e Moções da Aliança Nacional LGBTI+
Lírio Barbosa dos Santos.
Coordenador da Área Não-Binária da Aliança Nacional LGBTI+
Coordenador adjunto Estadual da Aliança Nacional LGBTI+ em AL.
Coordenador do Coletivo O “Quê” do Movimento MCZ/AL.
Lana Larrá
2ª Coordenadora da Área de Mulheres Trans da Aliança Nacional LGBTI+
Robson Lourenço da Silva
Coordenador Adjunto Estadual da Aliança Nacional LGBTI+ em PE
Coordenador Adjunto de Comunicação da Aliança Nacional LGBTI+
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Sobre a Aliança Nacional LGBTI+ – A Aliança Nacional LGBTI+ é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos, com representação em todas as 27 Unidades da Federação e representações em mais de 150 municípios brasileiros. Possui 47 áreas temáticas e específicas de discussão e atuação. Tem com missão a promoção e defesa dos direitos humanos e da cidadania da comunidade brasileira de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais (LGBTI+) através de parcerias com pessoas físicas e jurídicas. A Aliança é colaboradora do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+. É pluripartidária e atualmente tem mais de 1000 pessoas físicas afiliadas. Destas, 47% são afiliadas a partidos políticos, com representação de 27 dos 33 partidos atualmente existentes no Brasil. https://aliancalgbti.org.br/ Conheça a Central de Denúncias LGBTI+ https://bit.ly/2vRiXyr